Qualidade da água do Castanhão piora durante chuvas e aumenta mortandade de peixes; entenda

Projeto analisou presença de substâncias para entender a capacidade de produção do açude sem comprometer sua qualidade

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@svm.com.br
Legenda: Análise mapeou que açude recebe altas cargas de fósforo, substância que prejudica a qualidade da água, de diversas fontes
Foto: Cogerh

Notícias sobre o aumento do volume do Castanhão, maior e principal açude do Ceará, sempre são animadoras. Porém, além da quantidade, monitorar a qualidade das reservas também entrou no radar da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Ceará (Cogerh) - e os levantamentos oficiais mostram uma degradação permanente que já gerou 11 mortandades de peixes, desde 2008.  

Neste mês, a Companhia finalizou um novo estudo que dá subsídios para uma produção sustentável de pescados no maior reservatório de múltiplos usos da América Latina. O documento teve colaboração do Programa Cientista-Chefe da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) e da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Localizado em Jaguaribara, na região do Médio Jaguaribe, o Castanhão sofre com diversos fatores para a qualidade da água comuns aos reservatórios do Semiárido: temperatura mais elevada, maior tempo de estagnação da água, altas taxas de evaporação e má distribuição de chuvas no território, segundo Mário Ubirajara Gonçalves Barros, analista em Gestão de Recursos Hídricos da Cogerh.

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Além de fornecer água para abastecimento humano e irrigação, o açude também é um importante polo de piscicultura na região. Por isso, desde 2008, a Cogerh iniciou o monitoramento da qualidade da água e seu chamado “estado trófico”. Nesse período, foi possível definir quatro períodos distintos:

  • 2008-2011: com volume sempre acima de 50% e chegando a 96% em 2009, a qualidade estava “sempre boa”, ou seja, no nível oligotrófico (com baixo enriquecimento com nutrientes e elevado teor de oxigênio dissolvido);
  • 2012-2016: com a seca prolongada, a qualidade cai para mesotrófica e; ao atingir menos de 3%, passa ao nível hipereutrófico (com elevado enriquecimento de nutrientes e baixo teor de oxigênio);
  • 2017-2020: momento “bem crítico” para a qualidade da água, coincidindo com vários episódios de mortandade de peixes;
  • 2021-atual: momento de “recuperação”; atualmente com volume em torno de 34%, ainda assim, há um nível entre eutrófico e hipereutrófico.

O ponto em comum nesses períodos, segundo o especialista, é que o período chuvoso está ligado à mortandade de peixes. Isso porque, com o carreamento de sedimentos e matéria orgânica, a água bruta acumulada fica mais estratificada, espessa, e com uma camada oxigenada mais curta.

“No período seco, temos uma qualidade da água melhor, com menor influência do sedimento, tendendo à desestratificação”, argumenta Ubirajara. “Ela fica mais homogênea, com menor influência dos ventos e mais estabilidade climática”.

As análises da Companhia, que conta com 6 pontos de monitoramento, levam em conta os índices de fósforo, nitrogênio, clorofila, cianobactérias, Escherichia coli e matéria orgânica, em diversas profundidades, além do perfil de oxigênio. 

As faixas consideradas para a gradação do nível de oxigênio se dividem em crítica (0 a 1,5 mg/L), preocupante (1,5 a 4 mg/L) e confortável (acima de 4 mg/L), sendo esta última ideal para a sobrevivência dos peixes.

Porém, desde que a qualidade da água do reservatório começou a ser monitorada, já foram reportadas 11 mortandades. Destas, apenas uma ocorreu no período “seco”, em agosto. As demais se distribuem no primeiro semestre, sobretudo em junho. Assim, os pesquisadores correlacionaram o período chuvoso às mortes dos animais

“70% das mortandades são pela falta de oxigênio, o peixe morre 'asfixiado'”, explica Mário. “Existe uma correlação entre a ocorrência das mortandades e pior qualidade da água. Desde 2015, quando começou a baixar o volume e a qualidade, foram 7 mortandades. Quanto pior a qualidade, mais ocorrências”.

Os episódios de mortandade ocorreram em:

  1. Agosto de 2008
  2. Maio de 2013
  3. Junho de 2013
  4. Junho de 2015
  5. Junho de 2016
  6. Fevereiro de 2019
  7. Fevereiro de 2019
  8. Maio de 2019
  9. Junho de 2020
  10. Março de 2022
  11. Abril de 2023

Diante desse cenário, foi criado um grupo de trabalho interinstitucional para buscar uma solução sustentável à piscicultura no reservatório. “Percebemos que os modelos até então existentes não eram compatíveis com a nossa realidade”, lembra o analista.

Legenda: Mesmo na água, peixes podem morrer 'asfixiados' pela falta de concentração ideal de oxigênio
Foto: Honório Barbosa

Segundo a Cogerh, com o Plano de Capacidade finalizado, será possível instrumentalizar as discussões e tomadas de decisão sobre a alocação negociada de água e o diálogo com a população local, principalmente a de Jaguaribara, beneficiada economicamente com a produção de peixe na barragem.

O modelo também será apresentado a nível federal no dia 26 de abril, na Agência Nacional de Águas (ANA), em Brasília. Depois disso, o Grupo de Trabalho do Projeto irá definir a área outorgada do Castanhão.

Cenários para o futuro

Em seminário na Cogerh, o professor Iran Lima Neto, docente do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da UFC e um dos integrantes do estudo, apontou cenários possíveis para a melhora na qualidade da água no reservatório.

Primeiro, ele explica que o Castanhão recebe três principais fontes de carga de fósforo (substância que ajuda a degradar a qualidade): a externa, vinda de arrastos da bacia hidrográfica; interna, a partir dos sedimentos acumulados no próprio açude; e da piscicultura desenvolvida no local, tanto através da ração quanto das fezes dos peixes.   

Hoje, juntando as três fontes, há uma média de 418 toneladas de carga por ano entrando no reservatório. Para chegar numa classe aceitável, essa carga total deveria cair para 100 toneladas. Para isso, há uma proposta que deve ser discutida entre diversos entes envolvidos na gestão do manancial, partindo da redução de:

  • 70% da carga externa, por meio da universalização da coleta de esgoto, reflorestamento e controle de erosão, dentre outras medidas;
  • 30% da carga interna, “a mais difícil”, com ações como aeração, desestratificação, uso de remediadores e remoção de parte dos sedimentos do fundo;
  • 30% da piscicultura, partindo da troca de rações e outras tecnologias para aumentar a conversão de alimentos em ganho de peso nos peixes, além da retenção dos restos não consumidos.

"É um cenário possível onde mostramos individualmente o que poderia ser feito para chegar a uma condição satisfatória, mas precisa ser quantificado o custo-benefício dessas ações”, afirma o estudioso.

Volume do açude

Atualmente, o Castanhão está com 34,8% da capacidade, o melhor volume desde setembro de 2014. Há um ano, o açude estava com cerca de 30% de volume. Ao todo, ele tem capacidade total de 6.700 hm³, e hoje guarda 2.331 hm³.

Em fevereiro, também foi iniciada a operação de bombeamento da água do Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF), em Jati, em direção ao Castanhão. Embora duas motobombas do Eixo Norte, na cidade de Salgueiro, em Pernambuco, estejam paradas, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) garantiu que “não há qualquer prejuízo no fornecimento de água”. 

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